sábado, 10 de julho de 2010



África que eu vi

Um povo que ri, atende e persevera. Que cativa com um olhar sempre positivo e permanente no futuro, no dia de amanhã. Essa é a principal imagem que levo em quase “dois meses” de África do Sul, juntando as duas breves temporadas que por essas terras andei relatando coisas e tentando interpretá-las de todas as possíveis formas. Entender uma sociedade onde há pouco menos de 20 anos dividia até seu ponto de ônibus, farmácia, bancos e até mesmo hospitais não é algo tão simples. Várias raças misturadas buscando incessantemente apagar marcas deixadas por gerações passadas. Um país onde por lei, o negro foi obrigado a deixar qualquer local público ou privado quando o branco estivesse dividindo o mesmo espaço, usufruindo o mesmo ar. Como explicar para as futuras gerações que seus pais e avós sequer tinham direito a estudo ou um emprego digno na África da segregação, da diferença. Na limitação do saber o argumento imposto era afrontador. Para que estudar matemática se deve preparar-se apenas para trabalhos domésticos? O passado aos poucos vai ficando para trás, porém as marcas ainda são visíveis. Quem bate esquece, quem apanha não. Essa é a lei da vida, da selva. Mais conservadores e antigos ainda guardam o gosto amargo do rancor, da exclusão, da inferioridade imposta por uma política insolente e absurda que já fez tantas vítimas. Hoje o berço do colorido, da fé e da vida selvagem se refaz perante o futebol, o esporte mais popular do planeta. No símbolo de uma vuvuzela ou no grito de Laduma, o momento do gol é a mais pura circunstância de alegria unindo as multiraças de um país gigante, em extensão e esperança. Quem não conhece a realidade desse país deve primeiro procurar saber de gente, de relacionamento e convivência. Para se chegar à definição do que representa a história dolorida de um passado recente, é preciso entender o que é, como se constrói e para que serve uma representatividade popular. O legado deixado por um exemplo de sacrifício e superação é muito mais do que a simples liberdade. Esse país precisou se reinventar e ninguém mais que um grande líder para saber entender seu povo e suas fragilidades. Nelson Mandela, o eterno presidente de honra e carinhosamente chamado de Madiba, soube que para triunfar sobre os preconceitos foi preciso admiti-los. Foi necessário cortar da própria carne e esquecer um passado sombrio para construir um lugar onde o negro e o branco possam dividir suas expectativas, seus planos e suas dificuldades. Uniu-se assim as paradas de ônibus, o rugby e o futebol, o mestiço, o negro, o branco e o imigrante. Entendeu-se que para um país se desenvolver como potência foi preciso admitir a chegada do investimento, do talento e da mão de obra estrangeira. Que abrir oportunidades para quem realmente quer crescer e produzir não é tirar espaço do filho da terra em busca de oportunidades melhores. Para se chegar a um fator comum foi preciso muito mais do que abertura e habilidade política, foi necessário visão de quem esteve por 27 natais em um espaço de três por três metros. Uma liderança que literalmente nasceu do clamor do necessitado e rompeu a barreira da discriminação através de diversos acordos até sentir o gosto da liberdade. Hoje a África do Sul ainda não é uma só, e deverá demorar ainda algumas gerações para isso realmente acontecer de fato, porém são claros os sinais de que as diferenças já se permitem. A Copa do Mundo surpreendeu a todos. Como jornalista procurei conhecer com um ano de antecedência o que nos aguardava, e agora posso afirmar que a África do Sul tem condições sim de se preparar para um futuro de igualdades. Neste momento é muito importante traçar um paralelo da África de hoje com o Brasil de amanhã, em se tratando de Copa do Mundo. Investimentos serão realizados e todos, de maneira geral, precisam estar atentos e ser responsáveis pela fiscalização de ações em torno do mundial de 2014. Não se pode admitir o que ocorreu na África do Sul, onde o próprio Mandela no auge de seus 92 anos publicamente questionou à forma como foram usados recursos públicos. O A Caminho da Copa nunca termina, estamos sempre partindo em busca do próximo, projetando o curto período de quatro anos para mais uma festa da bola. A África ficou para trás, agora o momento é de voltar-se para dentro e construir uma estrutura que surpreenda o mundo. Já estamos em contagem regressiva.

Texto publicado na edição deste sábado do JM/Jornal de Marau

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